quinta-feira, 29 de julho de 2010

IX

Uma vez conheci um rapaz que mijava solenemente em cada árvore que encontrava. Aparência de outro modo meio tola e desajeitada, quando se aproximava de uma árvore, retirando lentamente o chapéu como a pedir licença, todo o seu corpo se endireitava, e o seu rosto adquiria uma concentração de quem se encontra de joelhos a rezar numa capela.
Isto aconteceu durante uma curta estadia minha lá para os lados da Guarda, onde as árvores são abundantes e a imaginação, como a bexiga, não conhece limites.
Finalmente, num acesso de coragem muito pouco característica da minha parte, perguntei-lhe a razão daquele comportamento. A resposta foi a que se segue:
“A terra ao girar produz um som característico. Quem durante uma qualquer noite nunca ouviu este som, deve virar o olhar para cima e dar graças aos céus por nunca assim, pelos ouvidos, ter sido irremediavelmente esmagado.
Repara. Tu. No modo como a folha amarelada se desprega da árvore que parece, agora, nunca verdadeiramente a ter sustentado, e se deixa, inerte, levar pela corrente da ribeira ou do vento, até que lentamente se afunde, numa curva, onde a infindável torrente do mundo, condescendente, por vezes abranda.
Senta-te, nem por isso abrandando, e observa como algum vento e água depois, uma nova folha verde aparece no espaço deixado pela outra, apenas para lhe suceder no fundo do rio ou da terra.
O meu mijo, de quem foge da água, dá uma pequena, mas eficaz contribuição para que não mais se caia na humilhação de ter de pedir ao mundo condescendência, para que numa qualquer curva nos possamos finalmente quedar. O meu mijo mata a árvore. O meu mijo para o tempo.
Quem na escuridão da noite nunca ouviu o som da terra a girar, deve tornar-se para o céu e dar graças. No caso de o fazer é melhor ter cuidado com as graças, porque o céu também se move, e o sítio para onde se apontam pode não ser o mesmo onde elas vão parar. O melhor talvez seja fazer como na caça, dar um desconto e apontar mais para a frente. Ou nem sequer apontar, fechar os olhos e disparar; assim no mesmo momento em que ouve pela primeira vez o mundo, acaba logo com ele.”
Não percebi. Disse que sim e pirei-me dali...