quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

XXII

L'Image... presque... je la vois presque. L'Image. Je m'approche doucement à cause de la dissolution. L'Image, elle appelle. L'Image ordonne le mouvement vers... le mouvement vers l'Image? Je ferme mes yeux, je deviens aveugle. L'Image est néa... néan... néanmoins la, encore la... encore intacte... l'Image. Je m'approche doucement à cause de la dissolution. Je la sent... je commence par le haut et je la sent tout en descendant. L'Image n'a pas de but et moi... moi, je ne reconnais pas l'odeur, et néa... néan... néanmoins la, encore. Avec ma main gauche je couvre mon nez, et je frappe l'Image. Je le fais doucement, à cause de la dissolution, je caresse cette infinitude et je ne la reconnais pas au tact. Tout entière l'Image est... au but de compte... compte? L'Image... au but? L'image est néa... néan... néanmoins la. Encore qui m'appelle... qui me tire... je baisse ma main... encore... je branle, l'Image qui branle aussi avec moi... je la contourne en l'accolant... en la pressant fort vers moi et je l'avale tout entière. J'explose. L'Image encore... la, voilà néa... néan... néanmoins la. Encore qui appellera.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

XXI



     Cheguei ao quarto do Sr. Matias. As enfermeiras falaram-me de uma noite atribulada, é preciso que alguém com o meu estatuto fale com ele, lhe interprete aquilo para o ajudar a digerir. O Sr. Matias têm problemas intestinais graves, uma série de intervenções mal feitas conseguiram, apesar de tudo, acabar com as horas intermináveis que passava na retrete, agora vai tudo para dentro de um saco descartável que ligado directamente ao baixo ventre lhe permite deambular pelos corredores. Agora tudo é mais fácil. 

     O Sr. Matias estava sentado junto à janela, pálido, visivelmente abalado. Parece que tinha tido um mau sonho, as enfermeiras, como é hábito, deram-lhe de que comer, remédio santo para a maioria destes casos, é preciso que o sonhador engula literalmente o real para se ver livre da assombração nocturna. Sentei-me junto a ele sem nunca o fixar, pedi que me contasse esse sonho. 

     O Sr. Matias era o sujeito mais calmo que conheci, mas não nessa manhã, quando começou não lhe reconheci a voz, não era a dele, falava depressa como se não houvesse tempo, num tom baixo como se, de facto, houvesse problema em sermos ouvidos. Era uma voz de alguém muito mais velho do que ele, muito mais velho, certamente, do que ele alguma vez seria. 

     -”Tenho medo... cheguei, já é noite... tudo é luz, tudo está iluminado, todos estavam aqui à minha espera... sempre a correr, encadeado com as luzes, luzes de todas as cores, vou procurando dentro das montras, toda a gente sabe, toda a gente me conhece, toda a gente me fala... avanço... o medo avança comigo, procuro... entro por casas a dentro, é um país estrangeiro, saio, ninguém me conhece, ninguém nota, todos agem como se não percebessem esta angústia. Procuro numa angústia perpétua. É ali, deve ser ali! mas não, passo em corrida por baixo da ponte de mármore e entro. Os rostos são familiares, todos ali... ali onde eu procuro, mas não são eles que procuro, tudo nesta casa é apertado, derrubo cadeiras e mesas à medida que corro desenfreadamente, mas ninguém nota. Tudo está calmo excepto a televisão que grita. Não percebo, tento gritar, não consigo. 

     Finalmente um som, é essa a voz que me é familiar, é esse o corpo imaculado que adivinhava, quase sinto o seu perfume, mas está lá fora. Chamo, grito que não se vá embora, oiço ainda um murmúrio do outro lado, está a falar comigo! não percebo bem o que diz... todo o meu corpo enfraquece num arrepio, atiro-me contra a parede, quero derruba-la, atiro-me até fazer sangue, atiro-lhe aquilo que me aparece à mão! paro um momento para ouvir, já não oiço nada, recomeço, com mais força, com mais querer, era ali! era ali que estava! chamo, caio, já não tenho força para me levantar, choro, choro em longos soluços, cada inspiração é sôfrega como se acabasse de sair de um mergulho profundo, tento ainda empurrar a parede, alguém que me conhece pergunta se quero pão, grito mais uma vez, olho para mim, não reconheço esta mancha de suor e sangue que é minha. Raspo a parede com o que me resta das unhas. Alguém que me conhece diz-me que o meu saldo acabou, que tenho que esperar o novo carregamento. Começo a acordar, não quero! eu estava ali tão perto! eu ouvi! ouvi mesmo! não havia engano, estava ali e eu não conseguia! Alguém me fala de um Pedro que não sem quem é que chegaria essa noite. Calo-me, já não sinto a parede, o meu peito aperta-se numa angústia que nunca senti, quero vomitar... não vomito. Vencido sento-me no chão e deixo-me acordar. 

     Nem um som, são quatro da manhã deste ano de graça.” 

     Ri-me com vontade e volvi: 

     -“Sr. Matias Sr. Matias... mas então o que é isso? toda a gente aqui a cuidar de si e o senhor com esses pensamentos? Vamos lá Sr. Matias! Arrebite, daqui a nada chega a família para o ver e o senhor nesse estado! Já viu as rosas novas do nosso jardim? Este ano o prémio é nosso! Sr. Matias então!? Vá, vamos lá ver esse saco, vamos lá mudar isso...” 

     Foi só isto, profissional que sou, pelo sim pelo não anoto.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

XX



     Certa manhã, apresentou-se diante do espelho. Ia sair. O dia começava frio, tomar banho ou fazer a barba revelaram-se então um trabalho demasiadamente penoso e, dada a fragilidade da sua figura, poderia mesmo vir a tornar-se algo letal. Nunca se sabe, e uma peumo... pneuli...peumolin... uma doença é sempre algo de desgastante, o corpo ressente e grita miseravelmente o cobarde ataque. 

     Diante do espelho havia pouco que ver, o cabelo, antes desleixado e cheio de remoinhos, revelava-se agora (por não ver água) em todo o seu esplendor, ligeiramente abrilhantado; fácil de pentear libertava ainda um odor adocicado. Estava bonito. Saiu. 

     Quando chegou a rua já lá estava, gente taralhoca andava para trás e para diante num redemoinho impensável para ele habituado a ver de cima. Quem vê de cima não vê bem, não pode ver bem, vê de cima, isso, se isso não explicar tudo, explica alguma coisa e se não explicar alguma coisa continua tudo como estava o que não faz mais mal nenhum. 

     Não sabia bem por onde andar, ao fim de três ou quatro encontrões com as primeiras velhas que lhe apareceram, muito cansadas, não se sabe bem de onde, olhou para trás. A porteira começara a lavar a escada, seguiu em frente cambaleante junto aos prédios. Em pânico mas em frente. Entrou num pequeno café, a televisão insistia em gritar qualquer coisa, qualquer aniversário... one small step for man... os poucos que lá estavam falavam desse dia, que aparentemente parecia ser o dia em que estavam, só que na altura estavam na cama. Saiu. 

     Adiante, na esquina onde terminava a sua rua cruzou-se com umas pernas brancas e enérgicas que o fizeram sentir-se... sentir-se? Sim, sentiu-se e seguiu-as a passos largos rua fora... afinal... 

     Seguiu aqueles tornozelos, deliciou-se com a forma como naturalmente se esgueiravam por entre a multidão; seguiu-os até os ver desaparecer num pulo juvenil para dentro de um autocarro, aí parou. Com a mão direita retirou os cabelos que lhe tinham caído para a testa de tanto olhar para baixo, não podia continuar, queria, não podia. Por alguma razão obscuramente presente, ou por razão nenhuma não conseguiu dar nem mais um passo. Estava paralisado. 

     A multidão que saía de dentro dos autocarros arrastou-o rua a baixo aos empurrões, os mais afoitos percebendo a sua fraqueza agarravam-lhe nas mãos e davam-lhe grandes bacalhaus, e ele deixava-se ir à deriva no meio daquela mortalha de gente que lhe gritava, a ele! e lhe puxava os cabelos sempre a sorrir, sempre a sorrir. 

     Já era quase mesmo a bem dizer... dia! quando fechou os olhos, num último arrepio de força começou a libertar-se, e subiu por cima de toda a gente, de todas as vozes, das palavras, dos gritos, dos ecos, dos choros das crianças cheias de ranho, das bengalas, das fraldas, das televisões, subiu num salto por cima disso tudo e lá em cima era silêncio. Viu ao longe o autocarro afastar-se levando as branquíssimas pernas para longe. Olhou-se, viu o seu corpo ainda meio destrambelhado e ensanguentado, mas já não ouvia a gente, tudo era calma. Mas nada estava calmo, subitamente um som, a princípio fraco e depois mais nítido, preencheu todo o seu corpo, tapou os ouvidos, mas isso ainda aumentou aquele ruído estranho. Todo ele estremeceu, todo o seu corpo se enrijeceu de terror. O autocarro dobrou a esquina e desapareceu... ele dobrou-se sobre si mesmo como um cão e deitou-se pálido; era o som do seu coração que batia, do sangue que lhe corria nas veias, logo a ele. Afinal não...

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

XIX

     Aurora mal... Aurora maldi... Aurora. Em que cada traço uma vez trazido à vista pede para ser dito. Aqui à nossa frente, aqui para que toda a gente veja. Aurora aqui mostrando ligeiramente os tornozelos. Aurora, agora que tudo parecia já feito e embalado, pronto... outra vez.

     Ergue-te, responde ao dia. Diz... diz? O quê? Diz. 

     E toda essa imensidão um pedido. Uma resposta, mais uma a esse dia, como se fosse dia e a resposta não se perdesse no eco nocturno. 

     Toca... não!... assim... sim sim sim sim im im... 

     Porque a pele já não é a nossa pele e tudo é pequeno, mirrado escama à mínima pressão. Sem sangue, sem dor. Irreconhecível. Porque agora tudo é plástico e estica, é pele como se a fosse. 

     Novo dia, na Aurora balbucias qualquer coisa como se fosse... história, como se fosse finalmente isso, como se fosse para o final. Fin 

     Nesta terra já ninguém se lembra como tudo é aceite, como tudo verdadeiramente se aposta; joga como se fosse a sério.