domingo, 11 de abril de 2010

IV

Anda lá… tenho o jornal, sempre temos o jornal, podes lê-lo.
Estás perdida? Perdida? Não acredito… Cheguei agora, desculpa se não acredito… cheguei agora, desculpa se não acredito; esperei por ti horas a fio, convém que… não convém nada, já me habituei.
Tenho o hábito de beber, e bebo. É algo que me acompanha, sabes? Segue-me onde quer que esteja, pego no copo, dou um golo, e sinto aquilo descer até às entranhas. Depois vou sentindo cada vez menos, sabes, tenho esperança que… e tu? Não queres o jornal?
Parece que há coisas que se passam no mundo… és bonita…e depois põem-nas no jornal, contam histórias. Aqui mesmo assim ainda se contam histórias.
Estás a ouvir? Percebes? Histórias… Uma vez ia no eléctrico e um velho contou-me uma história, o quê?... Já não me lembro dela, mas era linda. Nunca mais andei de eléctrico.
Diz que isto da bebida é como as horas, diz que mata… não me olhes assim… não ligues… Sabes isso da morte é tudo mentira, o pessoal anda a enganar-nos… percebes? Mentem. A morte era antes, como o amor, agora que o amor acabou também já não pode haver morte. Resta-nos aquele sabor amargo que por vezes nos enche o corpo e a boca naquelas manhãs difíceis. Ao menos isso… contemos com isso… isso sim (é o amor que com o tempo se tornou azedo), é o que agora vale… aquilo… a pena.
Não ligues hoje não estou bem, sabes que isto é… isto está cheio de luz e dói abrir os olhos para isto.
Percebes? Percebes o que quero dizer? Faz um esforço… talvez também devesses beber. Não percebes…. Ocorre-me agora que de facto é difícil que percebas, mesmo bebendo ninguém percebe, eu no fundo também não. Riste? Sim, de facto tem a sua piada
Olha-me nos olhos, são castanhos vês? Vês? Uma vez engravidei, nasceu morto, fora isso teria sido uma criança perfeita, nem parecia que estava morta, gordinho… tinha os olhos semicerrados… já bebia nessa altura, olhos semicerrados, talvez tenha sido por isso, não sei. Percebes? Olhos semicerrados. Temos de ir ao norte, o pão, o vinho, as putas… lembras-te? Eu já não me lembro de grande coisa, é isso que me confere dignidade. Temos de ir.