Um breve traque na escuridão, dir-se-ia que de alguma forma o espaço se fechou numa imensidão de luz. Não é bem assim, a casa é uma velha casa, à força do hábito já não é preciso pisar o chão para que cada tábua estale. A casa está vazia, são essas tábuas, que se esforçam por soltar-se sozinhas, isto apenas por estarem assim... mesmo, a terra contra a gravidade. Nessa casa há algo que continuamente tenta emergir, não, perfurar, não... há algo que se rompe continuamente. No tecto, uma brecha que divide a casa ao meio, exactamente por cima da cabeça de quem olha (se alguém olha). Sempre lá esteve e nunca parou de aumentar. De há uns anos para cá que um líquido esverdeado escorre de dentro dessa frecha. Nos dias mais húmidos, em que esse líquido é menos espesso, solta-se e pinga-nos a cabeça, escorre pela testa, por entre os olhos até à boca como se fosse pranto, como se fosse nosso, sempre rompendo o ar e a monotonia do rosto como se fosse a primeira vez. No princípio uma pequena passagem com o lenço era bastante para que desaparecesse, agora o rosto parece tão verde quanto o tecto, mas não é o tecto, que esse rompe continuamente, ruidosamente. Dizemos que vive. O lenço é apenas um traço de um passado - como muitos - escondido dentro das calças. O líquido esverdeado, nos dias de mais húmidade escorre para a boca e alimenta. Sentamo-nos aqui na primeira fila, desde o primeiro dia, da primeira hora, à espera que finalmente a casa se rompa definitivamente, para que finalmente recomece. Recomeçar, sempre, mais uma vez, só mais uma vez, um minuto, um segundo, o tempo de o agarrar e o guardar. As tábuas que se esforçam por abandonar, que recriam a cada instante a caminhada, a casa que rompe, que se rompe, cada vez mais, sempre, no entanto, assim. Sentados, olhando para cima, esperamos que caia, de preferência silenciosamente, ruidosamente.