domingo, 19 de setembro de 2010

XIII

     No templo ao Sábado de manhã celebra-se um casamento. Através da gente que cochicha, ajoelhados junto ao altar, estão aqueles a casar. O diácono, de olhar sério e costas meio curvas (devido certamente ao peso de toda aquela magnanimidade de pedra trabalhada e de frescos que fazem do templo a casa de Deus). E o templo, pedra sobre pedra até uma altura incompreensível que obriga o olhar a perder-se em devaneios e os olhos a uma certa comoção beata.
   Há qualquer coisa de incompreensível nos murmúrios do diácono que se contorce e soa da testa enquanto tenta explicar aquilo para o qual no fundo não parece haver explicação. E os olhos dos convidados que se vão perdendo por entre a folha de ouro e os berloques dos santinhos.
   Os noivos, muito sérios e muito crentes, e a mãezinha que vai chorando e o diácono que lá se vai esforçando por encher o vazio do imenso templo com a palavra:  quam ob rem relinquet homo patrem suum et matrem et adherebit uxori suae et erunt duo in carne una. E a carne que fervilha verdadeiramente, agora apenas para sair dali.
   Ao fundo, ouve-se bater a grande porta, uns passos, uma voz que se eleva e grita:
   -O Rei vai nú!
   O Diácono que quase deixa cair o livro santo, a mãezinha que desmaia, e os santos em pau que começam a corar. E a boa alma que não para...
   -Porcos! Que apenas conseguis cheirar a própria merda e jamais a do outro, porque a do outro cheira verdadeiramente mal e é insuportável! Quereis agora unir essas carnes que nunca se suportarão? Não percebem que isso não vele nem para bife? E que dentro destas quatro paredes há um Rei que se passeia nú?
   O noivo levanta-se zangado, a noiva (que não chora por causa da maquilhagem) levanta o vestido até acima dos joelhos para poder correr melhor. Rapidamente todas as carnes ali presentes se unem à carne do infeliz blasfemo que vai sentido a sua carne moer e depois começar lentamente a escorrer pelas lages da igreja, até que finalmente, a luz lhe some dos olhos e deixa de sentir. 
   Felizes os convivas, depois de provado que a carne se funde com a carne, com o cajado do S. João Baptista que estava no altar, e que, com um pouco de esforço por parte do diácono, se funde até com o livro de orações, a cerimónia continua alegremente.