A pulga, insiste em intrometer-se no nosso caminho. A forma como morde sem ser notada e desaparece nos lençóis - que por ela já não são - brancos e deixa para trás um rasto de sangue indicando a sua presença - e a nossa - tem algo de secreto e insano. Se acendemos a luz esta obrigamos a fechar os olhos habituados à escuridão; a pulga é uma relação obscura na inconsciência do sono, a borbulha que teima em pedir que a cocem é a memória que não temos desse sono.
Mudamos de lençóis e a pulga teima em permanecer. Tomamos banho, muitos banhos, e a pulga teima em permanecer. Alguém nos diz que é da alcatifa; livramo-nos dela e a pulga teima em permanecer. Pouco a pouco vamo-nos despojando das coisas que possam servir de eventual habitat para a pulga, no fim já pouco resta (é inacreditável aquilo sem o qual a vida é possível) mas a pulga essa teima em permanecer.
Estamos certos de que haverá certamente casos em que pobres inocentes como nós bateram com os costados em casas pouco recomendáveis devido à sua fixação com a pulga, conhecemos pelo menos um, um rapaz que pelos seus quinze anos foi atormentado por uma, e de tal forma se fixou nela (ou na sua ausência) que hoje já com dezoito passa os dia sentado numa marquise todo nu, a fazer os gestos de quem se cata; matando as pulgas imaginárias com os seus dois polegares oponentes, a marca da evolução da espécie.
Finalmente a pulga à nossa frente enquanto fazemos a cama. Uma seca cacetada de jornal e é o fim, ou julgamos que é o fim. A pulga, parece-nos, vence sempre.