quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

XVI

E o branco que é branco, o preto que é preto e as listas telefónicas que não se distribuem sozinhas. A palavra que não é certa e o momento que não é oportuno e o carro que não pega a mota que não anda e o passarinho que já não canta e o dia que não chega. E o mundo que diz que gira e o rato que vai roendo, devagarinho, e o espaço que mesmo assim não existe e o tempo que por isso vai existindo, o elástico que não estica mais mais coisas e todas as coisas que há na dispensa, a dispensa que é escura e cada vez menos atulhada cada vez mais cheia que se arruma e não se deixa de o fazer aqui a despensa cada vez mais cheia e a outra cada vez mais vazia sempre assim sempre dentro do arco o arco do triunfo e não há jogo de cintura que aguente o arco no sítio e tudo se vai passando assim como pela segunda vez. Ver revendo. O dia que já não é dia porque foi adiado para depois, para depois de amanhã o galo que canta ao dia o cão que ladra ao dia e o dia nem vê-lo. Esta noite o rato acaba de roer a corda que segura as cuecas penduradas que se soltam do estendal que nos caem na cara no preciso momento em que nós sempre nós olhamos em profundíssimos sonhos poéticos o céu da noite escura. Há coisas em que não se toca dizemos nós ao rato que responde que as cuecas é que sabem disso. Guardamos o presente dos céus dobradinhas com cuidado por cima da cómoda. Lá fora há uma ponta de cigarro que inflama e desflama no escuro por trás dos caixotes do lixo. C’est la gare