domingo, 21 de agosto de 2011

XXXV

Quando se come engole-se

Quando se deita dorme-se

Quando se queixa come-se

Quando se quer fode-se.




Entrou a esvoaçar pela janela aberta e posou, como uma pena na brisa, em cima da mesa da casa de jantar.

Retirou as asas não sem dificuldade, primeiro apertando-as ainda mais, soltando um lado e não o outro, esfregando-se contra as paredes e por fim fazendo-as escorregar até aos pés. Pendurou-as junto à porta e sentou-se exactamente abaixo, no chão.

Acendeu uma pequena beata que guardava no bolso para dias como este. Deixou-a arder lentamente entre o dedo mindinho e o vizinho.




Lá fora o dia terminava, tornava-se cinzento, nebuloso, frio.




Olhou para cima e com a beata incendiou uma primeira pena, que passando a chama às seguintes, e essas às outras até que as asas formaram uma chama imensa, redonda, imediatamente por cima da cabeça. Pedaços negros, carbonizados, ainda a fumegar caiam-lhe lentamente sobre os ombros, até que tudo acabou.

Lentamente dirigiu-se à janela, retirou o vaso de cima do parapeito e sentou-se, recebendo a brisa do fim da tarde, enquanto o dia terminava, o céu, primeiro cinzento, nebuloso. Depois negro, estrelado ainda, a noite.